sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

LAR,DOCE LAR !!


Lar, doce lar! A verdade é que era um alívio chegar a casa, mal passado aquele dia de trabalho, mal passada aquela viagem de regresso . E tudo para percorrer uns míseros quilómetros. Mas já estava habituado . De caminho para casa ainda deitou umas cartas no correio de que faziam parte das contas que o iriam ajudar a descer o já magro saldo bancário. Enfim, finalmente, lar, doce lar, e aquele sofá mole da sala para descansar o espírito e o físico desta vida moderna sem modernice nem qualidade nenhuma. Para descansar o espírito e o corpo da rotina para o trabalho e do trabalho para casa, do ordenado pequeno e da falta de dinheiro, do jantar que ainda era preciso comprar e fazer, das responsabilidade de criar os filhos , dos filhos que não tardariam a chegar, da atenção que lhe não dava e queria dar, desta insatisfação doentia que se fingia esquecer, desta vontade tresloucada de bater, de chorar, gemer. Desta vontade de estar ali, como ele estava, sozinho, no sofá mole da sala sem nada lembrar.

Oh pai, estás doente? Não, filho, estou só cansado. Vai fazer os trabalho de casa que eu vou ali ao supermercado e já venho.

Agora era preciso preparar o jantar. Ele, não, ou fazia uma coisa de cada vez ou saía asneira. Ainda por cima - que raio! - conseguir ver o telejornal era utópico. Nessa precisa altura estaria ele a tentar sobreviver às dificuldades do costume, a improvisar aqui e acolá. É que a comida, nas mãos dele, tinha aquela tendência para o desequilíbrio, ora ficava desfeita ora mal cozida, umas vezes quase sem sal outras apaladada de mais. Salvavam-se os clientes que não eram muito esquisitos e, se o fossem, lá no bairro havia uma tasca onde serviam comida. Que diabo, um homem não pode ter jeito para tudo!...

Claro que estava doente! Não era para estar? Doença sem sintomas externos palpáveis, ilegível em todas as análises e radiografias. Mas que o minava, disso não tinha dúvidas. Que lhe sorvia as forças, as energias, qual gigantesca e tenaz sanguessuga. Também, quem não andava doente na correria desta sociedade vibrante de novas e espantosas tecnologias pagas em prestações quotidianas de agonia e cansaço? O povo estava doente. Sim, o povo, pois uma minoria vivia com aquela qualidade de vida que ele, invejava. Com conforto, riqueza e até excessos. Mas esses não eram o espelho da humanidade. É verdade que havia pior, gente ao pé de quem ele até era um felizardo. Que nos quatro cantos do mundo morriam homens, mulheres e crianças entre guerras, fomes, epidemias e brutalidades. Que a eterna televisão ligada mostrava essas realidades nos intervalos das ficções. Mas a gente toma lá sentido, na distracção entre o prato e a sobremesa, se aquilo é jornal, é realidade, ou ainda uma parte do filme de acção e aventuras. A verdade é que o resto do mundo fica a anos-luz de todas as cozinhas aconchegadas, quentes de vapor e cheiro de comida, em que à noite, cansados, o pai, a mãe e os filhos comem bifes com batatas fritas e remoem as suas dores e os seus fastios, tão pessoais e tão grandes que mal lhes cabem no coração e na alma.

Sem comentários:

Enviar um comentário

cometarios